1.- Antes de tudo, devemos saber quem somos, de onde viemos, para onde vamos, qual é o objetivo de nossa existência, por que existimos, para que existimos.
Trabalhar para comer, sem dúvida, é necessário, mas isso não é tudo. Com que objetivo teríamos de comer? Precisamos comer para viver, mas por que haveríamos de viver? Qual é o objetivo?
Viver por viver, sem saber por que devemos viver resulta bastante absurdo. Necessitamos saber o motivo da nossa existência, por que estamos neste mundo, para que estamos neste mundo.
Se observarmos uma pessoa, não significa que a conheçamos. Necessitamos conhecê-la.
O corpo físico é composto por órgãos, os órgãos por células, as células por moléculas, as moléculas por átomos. Se decompusermos um átomo, liberamos energia; isso é óbvio. De maneira que, em última síntese, o corpo físico se resume em diferentes tipos e subtipos de energia.
O que existe além do corpo físico? Existirá algo? Ou seremos apenas um monte de carne, sangue e ossos? Impossível! Somos algo diferente ou temos algo distinto, mas o que será?
2.- Foram escritos muitos livros de psicologia sobre o poder da vontade, mas a que vontade eles querem se referir? Não devemos esquecer que dentro de nós mesmos existem milhares de vontades, que cada um dos Demônios Vermelhos de Seth tem sua própria vontade, então qual?
As vontades colidem com as vontades dentro de nós mesmos, e as muitas mentes contra as mentes. Vivemos dentro de nós mesmos em eterno conflito, estamos cheios de terríveis contradições. Se pudéssemos ver-nos ante um espelho de corpo inteiro, tal como somos, fugiríamos apavorados.
Estamos cheios de espantosas contradições. O Eu, por exemplo, do centro intelectual diz em um momento: “Vou estudar um livro”. De repente, intervém o Eu do centro do movimento e exclama: “Não! Ler livros a esta hora? Não, melhor ir dar um passeio de bicicleta.” Mas de repente, quando o sujeito já se prepara para pegar sua bicicleta, surge outro Eu, o do estômago, e diz: “Não, não, não, vou comer; primeiro comer, depois virá todo o resto”.
Ou seja, estamos cheios de terríveis contradições. De repente, dizemos à mulher amada: “Eu te amo, minha vida, daria a vida por você, meu encanto…”. Então, mais tarde, estamos dizendo o mesmo para outra dama. Então, onde ficamos? A dama tem um grande porte e confunde um adorador; horas depois, ela pode estar sorrindo para outro pretendente também, então o quê? Que contradições tão terríveis! Às vezes, damos a palavra em um negócio e, de repente, recuamos: “não, é que minha mãe disse que definitivamente não”.
Não temos continuidade de propósitos, meus estimados amigos. Em um momento estamos pensando uma coisa e então, em outro momento, outra. Vemos o jornal para saber qual filme vai passar, e até nos resolvemos a ir ao filme e ao teatro, mas acontece que alguém nos diz que em outro cinema está melhor, e não vamos mais aonde íamos, mas pegamos o carrinho e vamos para outro lugar. Um doente vai a um médico: “Doutor, tenho uma forte dor aqui, do lado do coração mas é como se não doesse… dói o fígado e é como se não doesse, sinto uma dor por aqui, mas às vezes me dói ali…”. Então o médico responde: “Tome este remédio mas é como se não o tomasse…”.
Assim estamos todos, meus queridos amigos, cheios de espantosas contradições, não temos continuidade de propósitos. Começamos a estudar na universidade de engenharia. Quão ditosos vamos às primeiras aulas com o livrinho debaixo do braço! “Somos estudantes de Engenharia” – dizemos –, e em breve, então, “quer saber, melhor me tornar médico”; e nos filiamos então à Faculdade de Medicina e começamos, muito judiciosos, a estudar Medicina. Um dia desses, chegamos em casa e dizemos ao pai e à mãe: “Não, eu não sirvo para médico, isso de fazer autópsia nos cadáveres não é nada agradável, e o pior é que tive que comer sobre a barriga de um morto”.
Conclusão, meus queridos amigos: que médico tampouco; e assim, viemos terminar, por aí, de empregados de algum escritoriozinho se é que temos sorte, ou atrás do balcão de uma humilde loja.
Que contradições terríveis que temos! Meus queridos amigos, tudo por falta de continuidade de propósitos. Mas a que se devem as terríveis contradições? Simplesmente, à multiplicidade de Eus que temos dentro. Dentro de nós há Eus médicos, Eus engenheiros, Eus graduados, Eus comerciantes e até mesmo aprendizes de bruxo. Que tipos de Eus morarão em nós? Temos uma espécie de Jardim zoológico ambulante. Não é nada agradável o que estou lhes dizendo, não é? Mas é assim!
3.- Inafortunadamente, as pessoas admitem facilmente que têm um corpo físico, mas custa trabalho que compreendam sua própria psicologia, que a aceitem em forma crua, real. O corpo físico aceitam que o têm porque podem vê-lo, tocá-lo, palpá-lo. Mas a psicologia é um pouco diferente, um pouco diferente. Certamente que como não podem ver sua própria psique, não podem tocá-la, palpá-la, para eles é algo vago que não entendem.
Quando alguma pessoa começa a se observar, é um sinal inequívoco de que tem intenções de mudar. Quando alguém observa a si mesmo, olha para si mesmo, está nos indicando que está se tornando diferente dos demais.
Nas diversas circunstâncias da vida, podemos nos autodescobrir. É dos distintos eventos da existência dos quais nós podemos tirar o material psíquico necessário para o despertar da Consciência. Em relação às pessoas, seja em casa, seja na rua, no campo, na escola, na fábrica, etc., os defeitos que carregamos escondidos afloram espontaneamente, e se estamos alertas e vigilantes como o vigia em época de guerra, então os vemos. Defeito descoberto deve ser compreendido integralmente em todos os níveis da mente.
4.- Em psicologia revolucionária, torna-se evidente a necessidade de uma transformação radical, e esta só é possível declarando a nós mesmos uma guerra de morte, implacável e cruel. Não existindo uma verdadeira individualidade em nós, é impossível que haja continuidade de propósitos. O que um Eu determinado afirma num instante não pode estar revestido de nenhuma seriedade, devido ao fato concreto de que qualquer Eu pode afirmar exatamente o oposto em qualquer momento. O mais grave é que há pessoas que afirmam enfaticamente ser sempre as mesmas. O sujeito em si não passa de uma máquina que prontamente serve de veículo a um eu como a outro.
5.- Há pessoas que são corteses com os outros, são decentes. Há pessoas que brindam amizade às outras pessoas. Esse é o aspecto público ou exotérico – digamos –, mas isso não é tudo. Sabendo que temos uma psicologia interior, não basta somente saber portar-nos decentemente com outras pessoas, não basta somente a fragrância da amizade do ponto de vista externo.
Qual é o comportamento que nós temos internamente para com as outras pessoas? Normalmente, aqueles que brindam amizade a outra pessoa têm duas facetas: a de fora e a de dentro. A de fora, aparentemente, é magnífica, mas a de dentro, quem sabe?
Temos certeza de que não criticamos o amigo a quem brindamos tanta estima? Temos certeza de que não sentimos alguma antipatia por algumas de suas facetas? Temos a certeza de que não estamos atraindo-o para a caverna que temos na mente para torturá-lo, para fazer escárnio dele enquanto lhe estamos sorrindo docemente?
Quantas pessoas que estimam alguém, em seu interior não deixam de criticar aquele alguém a quem estimam, ainda que não exteriorizem suas críticas, e fazem escárnio de seus melhores amigos, ainda que sorriam docemente na presença deles.
Na verdade, temos de ser mais completos, mais íntegros. Tentemos por um momento pôr em igualdade de marcha dois relógios: o de fora e o de dentro, o exterior e o psicológico; que marchem em perfeita harmonia um e o outro. Porque de nada adianta que estejamos nos comportando bem com nossas amizades, que estejamos brindando-lhes nosso carinho se por dentro estamos fazendo escárnio deles, se por dentro estamos criticando-os, se por dentro estamos torturando-os. É melhor que os dois relógios –o exterior e o interior– marchem em uníssono segundo a segundo, de instante em instante.
Devemos ser mais completos, mais íntegros; abandonar a crítica psicológica mordaz, interior, às pessoas que estimamos. Como é possível essa contradição, que estimemos uma pessoa e por dentro a estejamos criticando, que estejamos falando bem dessa pessoa a quem estimamos, mas por dentro estamos engolindo-a viva?
Agora, vocês devem saber muito bem que dentro de cada um de nós vive muita gente, todos os Eus. Quando se agarra um Eu desses e o estuda com o sentido da auto-observação psicológica, pode evidenciar que tem o centro intelectual, o centro emocional e o centro motor-instintivo-sexual, ou seja, que possui os três cérebros. Qualquer Eu tem mente engarrafada, tem vontade engarrafada, é uma pessoa completa. Assim, dentro de nós existem muitas pessoas, dentro de cada pessoa vivem muitas pessoas: os agregados psíquicos.
Assim, qualquer amizade que tenhamos merece que seja devidamente tratada. Vocês têm um amigo: há coisas do amigo que gostam e há coisas que não gostam. Vocês são amigos de algum Eu de seu amigo, ou de alguns Eus de seu amigo. Mas há outros eus do seu amigo que os incomodam, que lhes causam antipatia, porque temos que ter em mente que dentro de cada pessoa se manifestam muitas pessoas. Vocês costumam ser amigos de determinados agregados deste ou daquele amigo, deste ou daquele indivíduo, mas não são amigos de todos os agregados desse amigo em questão.
Por isso dizem: “Há coisas desse amigo que eu gosto, há coisas que eu não gosto; tem coisas boas, tem coisas ruins”. Essa é a forma que nós temos de falar; sim, depende do tipo de agregado que está em um dado momento falando.
Então, a amizade que sentimos pelos outros não é completa. Só sentimos amizade por alguns agregados dessa pessoa, mas não sentimos carinho pelos outros agregados dessa pessoa.
Pode ser que essa pessoa físico-psicológica à qual estimamos tenha agregados psicológicos que não estimamos, e em determinadas horas, essa pessoa nos cai mal, precisamente, porque estão se expressando outros agregados com os quais não temos amizade. Essa é a crua realidade dos fatos!
Se tivéssemos um Eu permanente, diríamos: “sou amigo de fulano de tal de forma total, completa”. Não o encontraríamos “poréns” nem manchas de nenhuma espécie. Mas acontece que não há um Eu permanente, mas muitos. Então, qual desses agregados ou qual desses Eus do sujeito X é que nós estimamos? Não serão todos! Por isso necessitamos ser compreensivos nisso da inter-relação.
6.- Quando um casal se casa, deveria entender melhor a psicologia. Normalmente, um dos parceiros começa por ferir o outro; o outro reage e fere também, se forma um conflito. Por fim, o conflito passa, os dois se reconciliam e tudo continua aparentemente em paz; mas não há tal, o ressentimento permanece.
Outro dia há outro conflito, marido e mulher debatem por qualquer bobagem – talvez um ciúme; enfim, qualquer coisa. Resultado: passa o conflito e fica outro ressentimento e, assim, de conflito em conflito, os ressentimentos vão aumentando e a lua de mel vai se acabando. Por último, não há mais uma lua de mel, acabou; o que há são ressentimentos de um lado e de outro lado e se não se divorciam, se continuam unidos, já fazem isso por um dever ou apenas por paixão animal, e isso é tudo. Muitos matrimônios não têm mais nada a ver com o amor. O amor de hoje em dia cheira a gasolina, celuloide, contas bancárias e ressentimentos.
O erro mais grave que um homem e uma mulher podem cometer é acabar com a lua de mel. Poderia ser conservada com a condição de saber conservá-la…
7.- Os psicólogos falam do Eu psicológico, do Eu da psicologia, da psicologia experimental, etc., mas nós vamos adiante com uma psicologia mais profunda, com uma psicologia revolucionária, rebelde. Sabemos em verdade que dentro de nós existem enormes poderes, mas precisamos que esses poderes sejam expressos através de nós, e isso não se alcança. O que acontece? É indispensável, a hora chegou de descobrirmos a causa da nossa dor…
8.- A dor é o resultado de nossos próprios erros. Quando se comete um erro, o fruto é a dor. Cometemos erros porque somos imperfeitos; somos imperfeitos porque temos o Eu dentro. Quando o Eu desaparece, advém a nós a autêntica e verdadeira felicidade.